sexta-feira, 22 de agosto de 2008

Um Luar embrulhado para Presente

O relógio acordou e acordou-me, consegui me arrastar da cama, odiando meu verdugo, caminhei cegamente até o banheiro, só o instinto me guiava, os olhos ardiam, o corpo doía, maldizendo a hora em que nasci comecei a rotina de tomar banho, escovar dentes enfim, realizar tarefas básicas era o máximo que eu estava conseguindo.

Em março de 98, depois de meses amargando um desemprego cruel, consegui uma vaga para trabalhar na Rodoviária de Salvador. O trabalho era extremamente desgastante – mas, foi só o que apareceu naquele momento de crise – tínhamos que lidar com funcionários antigos e por conseqüência cheios de vícios; e ainda atender usuários com um milhão de problemas diferentes. Mas, tudo isso era o mínimo já que havia um problema maior: o horário! Como folguista, meu turno era variado, manhã ou tarde dependendo da folga dos meus colegas. O detalhe é que o horário não permitia atrasos em hipótese alguma. Particularmente o turno da manhã era o meu calvário, pois esse me obrigava a acordar por volta das quatro, quatro e meia da manhã, naquela hora em que o sono é mais gostoso e, mesmo nas noites de calor a temperatura baixa um pouco, e tudo que queremos e ficar na cama aproveitando as delicias do sono. Mas, o medo de perder o horário não me deixava dormir. Conciliar o sono para mim era simplesmente impossível, o pouco que eu conseguia era um rápido cochilo, acordando sempre assustada; o despertador tornou-se meu carrasco. Este horário me estressava tanto que eu ficava com azia todas as manhãs.

Certa manhã, quando saía de casa às cinco horas, com um mau humor de cão pela noite mal dormida e a falta de sono que deixava meus olhos em estado lastimável, sem falar no lindo par de olheiras, eu mal conseguia enxergar alguma coisa. Enquanto brigava com o buraco da fechadura tentando fechar a porta de casa, não sei como pude me dar conta daquele luar inacreditável. Foi no momento em que ela se despedia da madrugada meio querendo ir e querendo ficar, era uma lua cheia enorme contra um fundo de laranjas e roxos "impossíveis", difícil de descrever mas lindo de ver. No primeiro instante fiquei estática entre assustada e deslumbrada, sem saber exatamente o que estava acontecendo, o dia ainda não estava claro e aquela luz vindo do horizonte me deixou perplexa. Ainda meio escuro e meio claro, no lusco fusco da madrugada e eu ali atrapalhada com a minha chave que não encaixava na fechadura e aquela lua às minhas costas como a me chamar para a vida, me peguei olhando aquela imensa esfera banco-azulada que parecia encher o mundo. As casas sem reboco, os telhados cinzentos, pretos e de cores indefinidas, as antenas de TV meio tortas sob a minha lua não me impediram de perceber aquela maravilha no horizonte. Enquanto o sol ameaçava despontar no outro extremo, a minha lua teimava em se mostrar. Meus olhos cansados registraram aquele momento único, inexorável e altamente compensador para quem acordara absolutamente contrariada e amaldiçoando o dia em que nascera.

Aquele luar me pegou desprevenida e frágil, mas consegui sair da minha angústia e apreciá-la um pouco, na verdade absorver aquele momento, guardando na memória o deslumbramento que é uma lua deslizando horizonte abaixo, romantismo à parte jamais poderei esquecer aquele momento; quem me dera pudesse registrar e mostrar para algumas pessoas aquele instante incomparável. Também sei que nunca poderei traduzir o que senti naquele breve espaço de tempo. Então comecei a pensar que valia a pena acordar às duas, três ou quatro horas para deliciar os olhos com aquele quadro. Pensei como Deus encontra formas diversas de nos presentear, cabe a cada um de nós compreender e apreciar. Percebi que o meu emprego era um presente que eu não estava sabendo usufruir. Então, ele se encarregou de embrulhá-lo num luar esplêndido para me despertar. Tudo que eu tinha que fazer era me render e agradecer.

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